quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Urgência tranquila

Longe da euforia, a alegria é genuína, cheia de vida, beleza e carisma
Encontro reencontro, surpreendentemente simples, natural
Mais, bem mais do que agradável...
Intenso e suave
Profundo e leve
Repleto de Morte e de Vida
Portal para a Transcendência, para o reconhecimento da natureza ilusória da realidade dual
Um presente da Vida, sempre tão generosa comigo...
Recebo de bom grado e de coração aberto as bênçãos do agora e do porvir
Que todos os seres possam se beneficiar...


Rio, 3/11/2011

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O limbo dos sinais

Aguardo, busco, evidencio
Sempre mirando a segurança da terra firme que custa a chegar
A certeza da reciprocidade já é minha, mas o que é recíproco de fato?
O que pode ser considerado como fato em meio à tanta subjetividade, a tantas mensagens cheias de duplo, triplo, quádruplo sentido?
O que, em meio à tanta incerteza, é considerado porto seguro e confiável?
Quem determina essa coisa, esse lugar?

As regras faltam, as dúvidas sobram e a angústia segue
Mais branda e domada, é bem verdade
Mas lá, pronta para emergir ao menor sinal de naufrágio

Esse idioma de libras, dos sinais, eu não falo não
Minha língua é mesmo outra... mais viva, afiada e petulante
Mais direta ao ponto
Sem tempo a perder, nem arrependimento para adoecer, nem covardia para recuar
A ação é minha, o coração seu.

Rio, 22/9/2011

Areia movediça


Admitir que é complexo é o primeiro passo para simplificar a compreensão do inexprimível
Seja qual for o tamanho do dragão, é meu e já começa a se revelar como calango indefeso
Não mais do que eu...
Ao menos agora já tenho histórias pra contar aos netos, meus ou alheios, com ou sem finais felizes ou simplesmente finais

Em meio à montanha russa que já não me causa enjôo, a tormenta segue
Agora me iludindo que haverá trégua, algum tipo de terra firme
Mas bem sinto o cheiro de estrume que me espera
Bem profecio a areia movediça em que estou prestes a me enfiar
Não terá sido por falta de aviso...

Rio, 22/9/2011

Discurso distante da atração


Fico com a impressão, assim nítida, de que ainda amargarei diante do espelho
O espelho que reflete a teimosia, rispidez, arrogância, frieza, vaidade
Tudo distorcido no disfarce de homem belo
Ainda assim, em meio à tão pouca austeridade, está lá toda a pureza do ser, que se revela quando menos se espera
Doce e suave, sensível e sedutor, muito agradável...

Percebo-me então incoerente
Discurso distante da ação, da atração
Todo o texto que repudiava, o estilo turbulento de relação afetiva, agora se vê encarcerado e traído pelas próprias palavras
Não há mesmo o que escolher, há só que observar
E de tanto observar, uma hora há de ser diluído tudo o que ilusório for.

Rio, 22/9/2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Quadro sem moldura

Então ficamos assim, sem moldura
Melhor, mais livre e poético...
Certamente mais ousado e propiciamente criativo
O que seria a moldura, senão o norte ilusório, a âncora da insegurança?
Quem duvida que a essência é mais bela e relevante do que a forma?
Não pode haver comparação digna entre o quadro e a moldura...

No quadro está pintada a alma, os desejos silenciosos estampados, toda a vida que a tinta alcançou
O transcender do ser, a entrega plena
Mas na moldura, que entrega há nela?
Apenas contensão, dureza e frieza há
A vida, o transcender, nela não estão
Apenas o medo que a pintura se esvaia, escape, escorra

Atenho-me então à tela, mais especialmente às suas bordas, como tentativa derradeira de ter um plano, algo que me ajude a direcionar, dimensionar a energia
Essa sim é a primeira escolha...
Alívio...
Ao menos a tela deve, pode ser uma escolha racional
Que tamanho será o quadro que quero pintar? Que textura? A quantas mãos?
Não me importa me render à necessidade de mais telas e cores se toda a minha arte não couber no plano inicial, mas eu ao menos tinha um e isso me traz paz

Abandono aqui o “se” que tanto me perturba e sigo expandindo a arte, com ou sem moldura, em tela torta direita ou cavalete.

Rio, 1/6/2011

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Cores, carnes e sonhos


Mágica se faz na poesia, no papel em que escrevo
E que mudo à minha maneira
Com estes símbolos que não são todos que compreendem e menos ainda são os que os absorvem
Com os olhos, aqueles da alma, os das profundezas do inferno e do paraíso que somos

E é do magnificente conflito que vivo e que vos falo com tristeza e alegria
Comunicando minha morte e ressurreição
Daquelas cinzas, daqueles tempos de Avalon

Sempre brava, sigo temendo o que me aguarda de pronto
E estática e impávida posso ficar estagnada séculos sem um só passo arriscar
E salva, sem nada a perder

O conflito dos guerreiros que sorriem nas horas das piores batalhas
Quando choram prévia e posteriormente por tudo o que perderam e deixaram de ganhar

Dos tempos antigos dos cavalos e tronos
Vem o suave peso da memória que teima em sobreviver na minha mente e conduz meu corpo aos locais indesejáveis do passado, que já tomou forma no hoje
Antes que eu pudesse ler o script

Amando mais que odiando, não importa
Cumpro o papel da donzela mal amada e adorada por todos desta Côrte de Babel
E acreditem, se quiserem
Sou uma
Uma infinita mistura de cores, carnes e sonhos

1997

Amanhã


Só assim durmo na paz dos grandes
Só assim fico livre da mente minha
Só assim me dou descanso
Todos dormem e eu escrevo
Todos sonham e eu escrevo
Todos comem e eu engordo

Mágica mistura dos tons da roupa que liberta a quem quiser
Pode, poder tudo, se quiser
Se quiser ganhar a loto ou comprar pão, tanto faz
Amanhã cedo vou trabalhar para ser livre do dinheiro
Não o quero, mas infelizmente o querem por mim
Também não o quero mal
Apenas não o quero
Amanhã cedo é capaz de eu receber o meu primeiro salário meu
Para quem será que vai?
Para loja ou para o mendigo
Amanhã à tarde decido

1997

Superfície 2


Superficialidade indesejada, evitada, presente
Por toda parte, enfermidade generalizada, já contaminada, impregnada
Peste contagiosa para os fracos, não os oprimidos, só os opressores
É a maior prova de que saco vazio não apenas pára em pé, mas também caminha e finge que faz
Ocupa o tempo pra esquecer, pra não lembrar que pouco é, que pouco sabe, que pouco faz, que pouco pensa, que pouco sonha...quase nada

Não satisfeito, ocupa ainda o tempo alheio pra satisfazer sua superfície medíocre e plana
Ocupa espaço, atormenta, fala, fala demais...do que não sabe e do que acredita saber
Acredita em nada, em ninguém
Teme tudo, todos, a começar por si
Vazio, vazio, vazio
As profundezas da alma, do ser, são bem mais livres do que a palavra da superfície
Do que o sopro do dragão

13/02/2005

Superfície


Vem pela superficie e nela fica
Sem eira nem beira, sem ter pra onde fingir
Fica se arrastando, procurando palco pra representação opaca, tardia e lenta
Lentidão do amante que não sente, não enxerga, mas ainda pensa
Pensa em que, quem
Pra aliviar a dor dos que não sofrem
Pensam sofrer por acharem que pensam...
Mas se esquecem que nunca sentiram
O que são, o que foram, muito menos o que podem vir a ser
Desconhecem, ignoram, subestimam
Amam pouco, quase nada

13/02/2005

Herói meu



Escrever poesia para não me afogar no pranto que não sai de mim
Ele fica e me diz que é preciso resistir, seguir sem revolta
Qual será o produto da copulação da raiva com a tristeza?
Quem será que pode conter o fluxo que já não segue mais?
Para onde será que foi toda a vida do menino que agora dorme entubado, sabe-se lá até quando?

Definitivamente o papel de boazinha nunca foi meu
Bem que tentei, mas o fígado não deixou
Contou tudo a todos e me deixou sem ter para onde ir
Às vezes nem acredito que voltei a raciocinar e escrever rápido, tão diferente daqueles dias macabros

Hoje os dias não são meus...são do pequeno herói que atravessa a tempestade, subindo montanhas e desbravando o desconhecido
Esse é o único herói de verdade


Rio, 19/2/2011

Desencaixe equânime


É como se eu tivesse me distanciado do corpo
Há agora um hiato, um intervalo, um espaço, um desencaixe
Acho isso bom...a vida passa com menos apego e mais distância, sem deixar de estar viva

É como se, de alguma maneira, eu agora, depois do vulcão fulminante, morasse mais perto da morte
Não a versão mórbida, esteriotipada
Mas a versão que me coloca de frente para a vida
Como se agora, por causa dessa morte serena e presente, houvesse mais verdade na minha ação de corpo, fala e mente
E verdade não é sinônimo de beleza
É só verdade mesmo

Vejo tudo passar e não sinto mais o costumeiro afinco e a determinação ilimitada do passado
Vou indo assim...sem muitas pretensões
A pretensão, sinônimo de arrogância, tem melhorado
Tenho esperanças que ao final desta vida consiga ter vislumbrado o significado da palavra humildade
A equivocada frase que marcou a adolescência “É difícil ser humilde quando se sabe que é o melhor” é o símbolo deste desvio
Ironicamente dita pelo Garfield...gato preguiçoso...!

O equívoco não está no fato de se achar o melhor nisto ou naquilo, mas em entender isto como mais relevante do que a nossa natureza equânime, da qual nenhum ser vivente pode escapar
O ponto é a importância que dou ao fato de supostamente “ser melhor” aqui ou ali, visto que qualquer coisa que eu possa ser melhor está limitada à frágil esfera do efêmero, ilusória, verdade relativa

Em suma, escrevo para que eu mesma possa ler e reler...
O aspecto equânime é superiormente relevante em relação a qualquer diferença
A informação da diferença entre os seres deve ser desprezada, vista como sem importância, penso
Só a equanimidade é absolutamente verdadeira


Rio, 11/2/2011

Sei que posso



O sonho da grande transformação
A intenção de sonhar com a ousadia de simplesmente ser
Além de tudo, de todos
Menor dos santos, mais alto dos humanos
Minha é ser mesmo o que sou e nunca outra coisa

Aqui jaz você junto a tantos fracassos, fracassado
Junto a toda moléstia que a tantos contagiou
Junto mesmo a você
Pena que mais não ficaram por aqui
Hoje não estariam perdidos por lá atormentando os atormentados de outro dia

Maravilhoso é ser livre
Da dor, do sofrimento
Da angústia, do pânico
Do ciúme do que nunca foi meu

Tantas vezes morri, morremos
Foram as que ressussitei e brilhei mais do que na véspera
Engraçado poder contar assim o que é sentido e transmitir via satélite o que pode ser mudado
Sei que posso, vou melhorar
Como a criança que a duras penas caminha e, ao cair, levanta-se
Vou sem medo de quase nada
Sigo pensando em todos os que ficaram para trás

Goiânia, 30/07/2000

terça-feira, 26 de abril de 2011

Supera a ação


Nada mais seguro e honesto do que a verdade do coração
A atitude pura, espontânea, vinda direto da fonte
Nada mais forte do que a energia livre do universo, criadora, absoluta

Comemora a ação, a liberdade
O fim da era do gelo
Viva o calor, a superação!

As amarras já não me cabem mais, não me servem, não são para mim
Sou livre, estou em paz, em segurança
Cultivando a fé no que aconteceu, ainda pouco acreditável
Mais que sonhado ou idealizado, agora sim vivenciado

Transcendental, libertador, doce, puro, humano
A palavra se empobrece diante do fenômeno da perfeição
Só a arte pode alcançar o estado onde estou.

Goiânia, 1/1/2009

Ego nosso de cada dia



O ego passeia, transpassa, entrelaça, permeia
Daqui para lá, entra em cena, sem descanso, pausa nem intervalo

Facetas mil, ousadia, sem vergonhice
Não tem pudor, é degenerado…

Na arte, no esporte, no espiritual, tudo igual
Maculado, permeado pela sombra, o eco, a miragem

Ego nosso, dissimulado, atrevido
Toma a cena sem ser convidado para o papel principal

Minha história, minha peça, minha cidade, minha idéia, meu grupo, minha cena, minha foto, sua mediocridade.

Goiânia, 30/03/2009

Astros e ansiedades



Angústia seca, sem choro, sem mágoa
Perdão amigo, compreensão
Encontro em aberto, espera sem fim
Indefinição, aguardo
Ansiedade, impaciência, insegurança
Treinamento desapegado
Preguiça espontânea, emoção
Realidade relativa na veia…
Medíocre, irrelevante, egoísta, supérflua
Como pode tomar dimensão astronômica?
A astrologia deve responder.

Goiânia, 26/05/2008

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Um conto, um livro, uma peça, um filme, uma poesia

É tanta arte, tantas possibilidades, que fico inebriada, sem saber por onde começar
Daí não começo
Fico à espera de diretrizes, minhas mesmo, o que seria mais relevante, necessário e eficiente
Lembro que o desafio é esquecer do resultado por um tempo, até que compreenda a importância do processo
Então vou indo, produzindo sem preocupação, sem razão
Formato solto, moldura ausente
Livre
Tento ser
Livre

De mim, do eu, da personalidade-sombra que acha que sou eu
Sou mais, mais além
Mas deixa estar...um dia, um belo dia quando eu acordar, ela não mais estará
E estarei só, só o ser, conectado a tudo e a todos, sem fronteiras, nem medos, nem pudores
Assim como na hepatite fulminante
Livre de ego por alguns instantes
Só sendo...uma maravilha...

Aliás, a hepatite fulminante era o trampolim que eu precisava para o salto
Veio contribuir, auxiliar na minha compreensão sobre o prazer, felicidade, alegria e amor
Sem ela, penso que as experiências cariocas seriam mais duras, lentas e perigosas, além de menos interessantes

Sinto que a produção está por vir, como uma enchente
Aflita por não conseguir ordenar as ideias artísticas, não perco as esperanças de executá-las pouco a pouco, que seja
Meu parceiro, companheiro, irmão e primo está ao meu lado
E meu professor e diretor, à minha frente
Tudo deve funcionar
Basta eu conseguir ouvir a voz do coração mais forte que a do cérebro
Basta os neurônios darem espaço à serotonina e à endorfina que tudo será liberado
A estrada, em breve, estará desenterditada
Cada destrinchar neste instante define qual será a próxima cena e o elenco do minuto seguinte
A todo o instante, uma nova semente plantada
Não sei se será um conto, um livro, uma peça, um filme ou uma poesia
Só sei que será de dentro pra fora, de verdade.



Rio, 5/4/2010

Dorme comigo

Uma esquisitisse, uma falta de reconhecimento de mim
Angústia sem lugar, sem paradeiro
Um pano de fundo indefinido, incômodo
Energia precária, iniciativa duvidosa
Parece que espero algo que não vem
A indefinição ainda me apetece como a pior das vilãs
Nem lá nem cá, não ata nem desata, não caga nem desocupa a moita, não fode nem sai de cima

Como ficar mais ou menos grávida?
Como ir a qualquer lugar mais ou menos?
Como estirpar a nuvem cinzenta que deixa o tempo nublado?

O sofrimento alheio segue consumindo a minha paz, minha possível diversão
Não quero, mas vejo o homem estirado no chão, no meio, literalmente meio da calçada, sem que ninguém sinta a falta dele
Não quero, mas vejo os dois meninos, 10 e 12 anos, revirando a caçamba de entulho, separando papelões
Ipanema, zona sul do Rio, 23:40, sábado
Como ignorar, não perceber, não sentir?
Como não questionar, seja quem for, por essas e tantas outras atrocidades?

Impotência, incompetência, frustração
O sentimento de fracasso é o último que me invade e compõe o real quarteto malévolo
A inoperância minha, do sistema, de Deus, do carma, sua, todos juntos, resulta nesse cenário e na minha tristeza que agora dorme comigo.


Rio, 19/2/2011

Revolta amorosa

O que pensar quando a velocidade do pensamento me impede de planejar?
O que fazer quando sei que não há nada a ser feito, apenas revelado?
Como agir quando o outro lhe invade a alma e lhe impõe o sofrimento aparentemente opcional?

Não admito essa rotina de expectativas e frustrações
Não posso me submeter a essa mediocridade sentimentalista que até hoje nunca levou ninguém a lugar nenhum
Me recuso a aceitar que esse é o natural e que não há nada a ser feito

Como pode um ser, mal conhecido, tirar minha paz de espírito, sem razão explícita, sem ação direta?
Como posso ser tão ridiculamente vulnerável, imprestável e pequena?
Como acreditar, aceitar que é assim que as coisas funcionam?
Que coisas?
Quem apertou o maldito botão?

Só o pequeno-grande ego tem essas respostas e saberá explicar como é capaz de se iludir com o irreal, o que nunca existiu, o que jamais houve
Só mesmo a sua insegurança de saber-se não ser, pode dar alguma explicação para esse ballet das trevas...

Goiânia, 30/1/2010

Daí vem a voz do além...

Como pensar em algo que não era eu, que apenas se fazia de eu?
Como admitir que não sou o que pareço ser, toda a certeza, a segurança, a integridade?
Como pedir ajuda para compreender que no fim e desde o começo, sempre fui a mesma pequena, fraca e medíocre, que se deixou acreditar no doce glamour da heroína?

Mas agora, posso me vangloriar na liberdade e no alívio de não ser o que pensava, de não suportar o que pensava ser capaz de suportar, de concretizar o que jamais poderia imaginar que seria suficientemente suja para me permitir

Como humana medíocre posso tudo, não devo explicações nem mesmo a mim
Não há ponto de partida, nem retorno, nem destino
Apenas movimento há

Por mais que tentem me convencer que ser feliz é legal
Por mais que tentem me convencer que o prazer pode ser meu
Sigo eternamente inconformada com o viver, com o drama da existência, do sofrimento, da dor, da culpa, da injustiça, da impotência de uma criança doente
O ensinamento espiritual me salva da insanidade, mas não da inconformidade e nem da vontade profunda de voltar a não ser
Vontade tenho mesmo é de parar de existir para não criar mais confusão, nem plantar mais bosta que um dia certamente não poderei escapar de colher

Tentar compreender, ou ao menos romper, a intrínseca conexão entre tudo e todos, entre consciente e inconsciente, tão além do que se possa imaginar
Tão pouco tempo pra brincar de detetive, tão poucas chances de acertar, tantos métodos para me distrair do que de fato importa

Enquanto escrevo, num quarto de hospital, o que de fato importa definha
Sem motivo aparente, sem justificativa, sem porque, sem entender
Enquanto crio a minha obra e decido a minha arte, o que de fato importa, toma na veia sangue de outro e caminha em direção certa até à morte

Ora...de novo a senhora por aqui? Mas tem apreciado muito me visitar e aos meus...
Depois ainda querem que eu admire e aproveite a vida
Como se há ladrão por perto?
Como relaxar e me deliciar com os malditos prazeres mundanos, se a senhora é a mais presente e ativa entre todos?
Talvez por aqui é bem recebida...costumo preparar chá com biscoitos...

Se tudo mesmo vai se acabar, por que brincar de ser feliz?
Não entendo esse teatro idiota e preferia estar fora dele
Mas não na plateia
Preferia simplesmente não estar para não ter nem que pagar ingresso, nem dar pro diretor

Escolha? Não me deram
Sigo então tentando me convencer que isso aqui presta e garanto não me afogar enquanto vestir o colete salva-vidas da arte
Só mesmo fazendo piada de todo esse circo pra sobreviver a ele

Preguiça do operacional...
Do vestir, do comer, do me transportar, do usar guarda-chuva e óculos
Tudo parece arcaico, lento, sem sentido, pura perda de tempo e energia
Vamos logo ao ponto, fazer o que deve ser feito e vazar
Daí vem a voz do além e anuncia: “ Não há nada a ser feito...”
Então, tira a gente daqui, caramba!

Sei, isso já sei também...que prefiro criar, produzir a consumir o que já foi criado, produzido
Arrogância, talvez, angústia ou simplesmente distração
Praticar o exercício de ver além das aparências, em todas as circunstâncias, consome uma incrível quantidade de energia
Energia essa que garante que eu continue a me mover em alguma direção, qualquer uma
Se não fosse esse exercício de extrair o ensinamento por trás de tudo e todos, não haveria graça no viver para mim
Sou eternamente grata àqueles que me orientam  e apontam o único caminho possível
O da verdade

Mas então o meu destino, livremente escolhido por mim, é mesmo nadar sempre e preferencialmente contra a maré, no contra-fluxo de milhares de seres?

Rio, 24/09/2010

Barulhinho do nada

Cadê o silêncio, o barulhinho do nada que já não escuto?
Cadê a satisfação da alma plena que já não tem espaço?
Onde está a voz firme que não tolerava ignorância?
Sou outra, não a mesma
Dependente, esquizofrênica, permissível, humana.

Goiânia, 30/1/2010

Devo me despir

O processo de criar a ação
O movimento guiado pela angústia
Que lugar é esse que tanto me traz incômodo
Que incômodo é esse que não me leva a lugar nenhum
Medo de refletir, de enxergar, esse não tenho não
Só o de criar a ação inapropriada, inadequada, ineficiente, insuficiente

De que vale fazer por fazer, ir por ir, criar por criar?
Como acalmar a maré revolta sem dopá-la?
Como me manter desperta em meio ao oceano que me leva pro fundo
Como resgatar a alegria de viver
Como resgatar a alegria de viver que nunca foi minha nem do meu pai?
Como não trair a arte viva em mim e ao mesmo tempo te agradar?

Acho que a partir de agora a minha vida será oficialmente o mar de angústias e dramas que sempre sonhei
Quem sabe resolvo mesmo dar espaço para os demônios se manifestarem, as cobras rastejarem e as nuvens carregadas despejarem toda a chuva...
Quem sabe agora, antes tarde do que nunca, toda a angústia terá endereço, destino certo e não precisará mais ficar represada, tolida, ignorada, pronta para virar doença

Se me despuser, afinal, para ser o ser artista, devo me despir do passado e mergulhar no lago presente.


Rio, 25/08/2010

Artisticamente

Para que serve, então, a expressão da emoção se não causa mudança?
A criação artística é a materialização da emoção, a forma do abstrato
A forma da angústia, do medo, da covardia, da safadeza, da audácia, da alegria que não conheço

Mas por que encenar?
Será que escrever não basta?
É preciso materializar, a tal ponto, todo esse drama?

A arte pode ser qualquer coisa, mas será apenas a minha angústia, a minha emoção, do instante agora
Assim como uma foto retrata e registra a aparência, a obra expressa o que não se vê, só sente
Sente só
Um só caminho: de dentro para for a, caminho único para a criação

Talvez reproduzir o filme que a vida passa no teatro seja um caminho
Como escrever um livro para compartilhar a própria biografia…
Será que presta pra platéia?
Por que prestaria?
Será que o meu drama é o dela?
O meu medo, a minha dúvida, a minha omissão?
Não seria muita prepotência querer que o meu personagem seja sempre o protagonista?

A arte é a expressão da emoção
A dança, o teatro, a poesia, o quadro
Tudo o que sinto, mas não choro, nem rio, a arte conta pra mim
Sinto, sempre senti
Sinto tanto e tão fundo, que não cabe no sorriso ou na lágrima
Só a solidão me socorre nessas horas, onde a arte me espera sempre de braços abertos

Mas será que o autor, assim como o ator, não deve ser capaz de escrever com propriedade e se aprofundar além de seus próprios dramas, seu pequeno universo?
Ou essa é uma criação fadada à mediocridade e à limitação?
Talvez o próprio drama seja apenas o ponto de partida, o início da composição da obra
Será possível traduzir a angústia do não acontecido, numa cena?

Rio, outubro, 2010